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Aposentadoria Especial para Vigilantes: Guia Completo Pós-Tema 1031 do STJ e a Análise Pendente no STF (Tema 1209) 

A busca pela aposentadoria especial representa um direito fundamental para profissionais que dedicam suas vidas a atividades que expõem sua saúde ou integridade física a riscos constantes. Entre essas profissões, destaca-se a do vigilante, marcada por uma tensão permanente e pela ameaça diária à segurança pessoal. Por muitos anos, o reconhecimento da atividade de vigilante como especial para fins de aposentadoria foi objeto de intensa disputa judicial, especialmente após mudanças legislativas em 1995 e 1997 e, mais recentemente, com a promulgação da Reforma da Previdência em 2019. A complexidade aumentou com interpretações restritivas por parte do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que frequentemente negava o direito, sobretudo para vigilantes desarmados ou com base em marcos temporais específicos.

Este guia completo, visa esclarecer definitivamente os direitos dos vigilantes à aposentadoria especial, com base na decisão crucial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Tema Repetitivo 1.031 e na discussão atualmente pendente no Supremo Tribunal Federal (STF) sob o Tema 1.209. O objetivo é fornecer informações atualizadas e precisas sobre quem tem direito, como comprovar o tempo especial, o impacto da Reforma da Previdência, a situação atual dos julgamentos e a possibilidade de revisão de benefícios já concedidos.

Entenda a Decisão Histórica do STJ (Tema 1031): Direito Reconhecido com ou sem Arma de Fogo

Um marco fundamental na luta pelo reconhecimento dos direitos previdenciários dos vigilantes foi o julgamento do Tema Repetitivo 1.031 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Esta decisão abordou de forma definitiva a possibilidade de reconhecer a natureza especial da atividade de vigilante, pacificando uma controvérsia que se arrastava por décadas.

O cerne da decisão, estabeleceu que é admissível o reconhecimento da especialidade da atividade de vigilante, independentemente do profissional portar ou não arma de fogo, mesmo para períodos posteriores à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997. A condição essencial é a comprovação da efetiva nocividade da atividade, ou seja, a demonstração de que o trabalho expõe o segurado a risco à sua integridade física.

É crucial compreender que este julgamento ocorreu sob o rito dos recursos repetitivos. Isso significa que a tese firmada pelo STJ possui caráter vinculante, obrigando todas as instâncias inferiores do Poder Judiciário e a própria administração pública (incluindo o INSS) a seguir o mesmo entendimento em casos idênticos. Essa natureza vinculante representa um avanço significativo, pois impede que decisões conflitantes continuem a ser proferidas em diferentes tribunais e uniformiza a aplicação da lei em todo o território nacional, conferindo maior segurança jurídica aos vigilantes que buscam seus direitos. Anteriormente, era comum que o INSS e até mesmo algumas instâncias judiciais negassem o reconhecimento da atividade especial baseando-se justamente na ausência de arma de fogo ou em interpretações restritivas das leis de 1995 e 1997, um cenário que a decisão do Tema 1031 veio corrigir. A decisão reconhece que o perigo é inerente à função de vigilante patrimonial e pessoal, não se limitando ao porte de arma.

O Impacto da Reforma da Previdência (EC 103/2019) e a Discussão Pendente no STF (Tema 1209)

Uma das maiores dúvidas que surgiram após a decisão inicial do Tema 1031 relacionava-se à sua aplicabilidade após a Emenda Constitucional nº 103/2019, a Reforma da Previdência. A Reforma alterou o artigo 201 da Constituição Federal, suprimindo a menção explícita à “integridade física” como critério para a concessão de aposentadorias com requisitos diferenciados e focando na exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde.

Essa alteração constitucional gerou incerteza sobre a manutenção do direito à aposentadoria especial para atividades consideradas “perigosas”, como a dos vigilantes, para períodos trabalhados após 13 de novembro de 2019, data de entrada em vigor da Reforma. Questionava-se se a ausência da expressão “integridade física” no texto constitucional invalidaria o reconhecimento da periculosidade como fator de risco para fins de aposentadoria especial.

O STJ, atento a essa questão, voltou a se pronunciar sobre o Tema 1031 ao julgar Embargos de Declaração. O acórdão desses embargos, publicado em 28 de setembro de 2021, trouxe uma modificação crucial e explícita à tese anteriormente firmada: 

É possível o reconhecimento da especialidade da atividade de Vigilante, mesmo após EC 103/2019, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997, desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até 5.3.1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado.”

Essa clarificação foi essencial. O STJ entendeu que, apesar da mudança no texto constitucional, a legislação infraconstitucional (Lei nº 8.213/91, art. 57) continua a prever o direito ao benefício para quem trabalha exposto a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física, e que a própria EC 103/2019 depende de lei complementar futura para regulamentação completa, mantendo a legislação anterior válida nesse ponto.

Contudo, a questão da constitucionalidade do reconhecimento da periculosidade para aposentadoria especial após a EC 103/2019 chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). O STF reconheceu a repercussão geral da matéria no Tema 1.209, vinculado ao Recurso Extraordinário (RE) 1.368.225. A questão específica a ser decidida pelo STF é:

“Reconhecimento da atividade de vigilante como especial, com fundamento na exposição ao perigo, seja em período anterior ou posterior à promulgação da Emenda Constitucional 103/2019.” 

Atualmente, o julgamento do Tema 1.209 pelo STF encontra-se pendente. Isso significa que, embora a decisão do STJ no Tema 1031 (incluindo a validade pós-Reforma) seja vinculante e deva ser aplicada pelas instâncias inferiores e pelo INSS, a palavra final sobre a interpretação constitucional do direito à aposentadoria especial por periculosidade para vigilantes após 13/11/2019 dependerá da decisão do STF. Uma decisão futura do STF poderá confirmar ou modificar o entendimento atual sobre a matéria para o período pós-Reforma.

Como Comprovar o Tempo Especial de Vigilante para o INSS?

Conforme estabelecido pelo STJ no Tema 1031, a chave para o reconhecimento do tempo especial do vigilante é a comprovação da “efetiva nocividade” da atividade, ou seja, a demonstração concreta do risco à integridade física. A forma de realizar essa comprovação varia significativamente dependendo do período em que o trabalho foi exercido.

Período trabalhado até 05 de março de 1997: A comprovação da especialidade pode ser feita por qualquer meio de prova admitido em direito. Isso inclui:

  • Anotações na Carteira de Trabalho (CTPS).

  • Contratos de trabalho.

  • Holerites com adicional de periculosidade.

  • Testemunhas.

  • Formulários antigos (SB-40, DSS-8030, DIRBEN-8030).

  • Até 28/04/1995, era possível o reconhecimento por enquadramento na categoria profissional (código 2.5.7 do Decreto 53.831/64).

Período trabalhado a partir de 06 de março de 1997: Passou a ser necessária a apresentação de “laudo técnico ou elemento material equivalente” que ateste a exposição permanente, não ocasional nem intermitente, ao risco. Os principais documentos são:

  • LTCAT (Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho): Documento base elaborado por engenheiro de segurança ou médico do trabalho.

  • PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário): Documento individual obrigatório desde 01/01/2004, baseado no LTCAT. Um PPP correto geralmente dispensa o LTCAT .

Em caso de dificuldade na obtenção do PPP ou LTCAT, outros meios podem ser utilizados, especialmente em juízo:

  • Prova por Similaridade (Laudo Similar): Uso de LTCAT/PPP de colega em função/ambiente idêntico ou de empresa similar, aceita em casos específicos (empresa fechada, recusa de fornecer).

  • Laudos Técnicos de Processos Trabalhistas: Perícias de ações trabalhistas como prova emprestada.

  • Perícia Judicial Previdenciária: Determinada pelo juiz no processo previdenciário.

A Tabela 1 resume as formas de comprovação:

Tabela 1: Comprovação da Atividade Especial do Vigilante por Período

Período Trabalhado

Forma de Comprovação Principal

Observações / Provas Alternativas

Até 28/04/1995

Enquadramento por Categoria Profissional (Código 2.5.7, Dec. 53.831/64) OU Qualquer meio de prova

CTPS, Contratos, Holerites com adicional, Testemunhas.

29/04/1995 a 05/03/1997

Qualquer meio de prova admitido (Formulários antigos como SB-40, DSS-8030, etc., se disponíveis)

CTPS, Contratos, Holerites, Laudos (se houver), Testemunhas.

06/03/1997 a 31/12/2003

Formulários (DIRBEN-8030, etc.) baseados em Laudo Técnico (LTCAT) ou Laudo Técnico / Equivalente

LTCAT é a base; Formulário preenchido é a prova principal. Prova por similaridade, laudos trabalhistas/colegas (judicialmente).

A partir de 01/01/2004

Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) baseado em LTCAT atualizado

PPP completo e correto dispensa LTCAT (salvo impugnação). Prova por similaridade, laudos trabalhistas/colegas, perícia judicial.

Quem Pode Solicitar a Aposentadoria Especial de Vigilante Hoje?

Com a decisão do STJ (Tema 1031) e aguardando a definição do STF (Tema 1209) para o período pós-Reforma, a aposentadoria especial continua sendo um direito a ser pleiteado pelos vigilantes. Os requisitos variam conforme a data em que as condições foram reunidas.

O requisito central é comprovar 25 anos de tempo de contribuição exercidos exclusivamente em atividade especial (como vigilante, exposto a risco).

As regras atuais são:

  1. Direito Adquirido: Quem completou os 25 anos especiais até 12/11/2019 tem direito adquirido pelas regras antigas (sem idade mínima ou pontos).

  2. Regra de Transição (Pontos): Para quem já contribuía antes da Reforma, mas não completou os 25 anos especiais até 12/11/2019. Requisitos cumulativos:

  • 25 anos de atividade especial.

  • 92 pontos para mulheres e 102 pontos para homens, em 2025 (soma da idade + tempo total de contribuição).

  1. Regra Permanente (Idade Mínima): Para quem começou a contribuir após 13/11/2019 ou opta por esta regra. Requisitos cumulativos:

  • 25 anos de atividade especial.

  • Idade mínima de 60 anos.

O Tema 1031 do STJ é fundamental, pois permite que períodos antes desconsiderados pelo INSS sejam agora reconhecidos como especiais, ajudando a alcançar os 25 anos necessários.

Importante: A conversão de tempo especial em comum (com acréscimo de 1,4 para homens e 1,2 para mulheres) só é permitida para períodos trabalhados até 12/11/2019. A Reforma da previdência (EC 103/2019) vedou essa conversão para períodos posteriores.

A Tabela 2 simplifica os requisitos:

Tabela 2: Requisitos para Aposentadoria Especial do Vigilante (Pós-Reforma EC 103/2019)

Regra Aplicável

Tempo Mínimo de Atividade Especial

Requisito Adicional

Direito Adquirido (Completou 25 anos especiais até 12/11/2019)

25 Anos

Nenhum (Apenas comprovar o tempo)

Regra de Transição (Pontos) (Para quem já contribuía antes da Reforma)

25 Anos

92 pontos para mulheres e 102 pontos para homens, em 2025 (Idade + Tempo de Contribuição Total) 

Regra Permanente (Idade Mínima) (Para quem começou a contribuir após a Reforma ou opta por esta regra)

25 Anos

60 Anos de Idade 

Já Sou Aposentado (Aposentadoria Comum): Posso Revisar para Aposentadoria Especial?

Sim. Vigilantes que se aposentaram por tempo de contribuição ou idade, sem o reconhecimento do tempo especial, podem solicitar a revisão do benefício, com base no Tema 1031 do STJ.

O ponto crucial é o prazo decadencial de 10 anos. O direito de pedir a revisão expira 10 anos após o primeiro dia do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação da aposentadoria. É vital verificar essa data para não perder o direito.

A revisão pode:

  • Transformar a aposentadoria comum em especial: Se atingir os requisitos com o tempo especial reconhecido.

  • Aumentar o valor do benefício: A conversão do tempo especial (até 12/11/2019) em comum aumenta o tempo total, podendo recalcular a RMI para um valor maior.

  • Gerar direito a valores atrasados: Diferenças corrigidas dos últimos 5 anos.

Alerta: A revisão nem sempre aumenta o valor do benefício. Em alguns casos, pode resultar em valor igual ou menor. É fundamental realizar um cálculo prévio detalhado com um advogado especialista antes de pedir a revisão para evitar prejuízos.

A Importância Indispensável de Assessoria Jurídica Especializada 

Navegar pelas regras da aposentadoria especial do vigilante, considerando as decisões do STJ (Tema 1031) e a pendência no STF (Tema 1209), é complexo. A comprovação documental, a aplicação das regras corretas e a análise de viabilidade de revisão exigem conhecimento técnico. O INSS pode apresentar resistência, mesmo com a decisão do STJ, tornando necessária a via judicial.

Por isso é importante contar com suporte de advogado especialista no tema para:

  • Análise detalhada do histórico e documentos.

  • Orientação sobre a melhor estratégia de comprovação.

  • Auxílio na obtenção de PPPs, LTCATs e provas alternativas.

  • Cálculos precisos para aposentadoria e revisão (análise de riscos e benefícios).

  • Acompanhamento de requerimentos administrativos e ações judiciais.

Buscar um advogado especialista é um investimento na garantia do seu melhor benefício e na proteção contra decisões prejudiciais.

Conclusão: Garanta Seus Direitos Previdenciários Como Vigilante 

A decisão do STJ no Tema 1.031 foi uma vitória importante, confirmando o direito à aposentadoria especial do vigilante (com ou sem arma) e sua aplicabilidade pós-Reforma da Previdência. No entanto, a confirmação final da constitucionalidade do reconhecimento da periculosidade para períodos após 13/11/2019 aguarda julgamento pelo STF no Tema 1.209. A comprovação do risco e o prazo decadencial para revisão são pontos cruciais.

O cenário jurídico atual reforça a necessidade de assessoria qualificada.

Não espere a decisão final do STF para agir. Proteja seu futuro e busque seus direitos agora.